Teologia Sistemática
A ordo salutis ou ordem de salvação
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Como vimos, os teólogos têm a tendência de resumir o ensino bíblico em listas ordenadas. Ao analisarmos a ordem dos decretos, supostamente um resumo da ordem dos pensamentos de Deus no seu plano eterno para a criação.
Na versão supralapsariana da lista, o primeiro item é o pactum salutis de Deus, a aliança entre o Pai e o Filho para assegurar a bênção para um povo eleito a ser criado. Depois vêm os decretos de criar, permitir a queda, enviar Cristo para expiar o pecado e assim por diante.
Os infralapsarianos sugerem uma ordem diferente, e há outras propostas. Em vez de aceitar como óbvia a legitimidade desse projeto e criticar propostas individuais, questiono se as Escrituras nos autorizam a tabelar o conteúdo da mente de Deus desse modo.
Muitos teólogos também juntam as bênçãos da aplicação da redenção numa lista ordenada, chamada de ordo salutis ou “ordem de salvação”. No entanto, há problemas com essa ordem que são semelhantes aos problemas na ordem dos decretos.
A Ordem da Salvação
Um deles é o fato de que nenhuma dessas ordens é mencionada na Bíblia. Outro é o fato de que as próprias Escrituras não demonstram nenhum interesse em organizar esses eventos numa lista ordenada.
A ideia da ordo salutis às vezes é baseada em Romanos 8.29-30: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.
E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”.
Somos tentados aí a colocar todos esses atos divinos numa lista ordenada: presciência, predestinação, vocação, justificação, glorificação. A ordenação de vocação, justificação e glorificação por Paulo concorda com a ordem desses atos na lista teológica tradicional.
No entanto, a lista de Paulo não inclui alguns itens da ordo tradicional (regeneração, conversão, adoção, santificação, perseverança) e acrescenta os eventos da presciência e da predestinação, que geralmente não estão incluídos na ordo dos sistemas teológicos.
O mais importante é que o texto dessa passagem não enfatiza quais aspectos da ordem estão na lista. Tudo o que a passagem afirma é que Deus deu essas cinco bênçãos para as mesmas pessoas.
Essas são as pessoas que foram “chamadas” (Rm 8.28), para as quais “todas as coisas cooperam para o bem”.
Paulo lhes assegura que, se foram chamadas por Deus, elas certamente vivenciarão todas as outras bênçãos mencionadas na passagem. Paulo não incentiva as pessoas chamadas a meditarem na ordem em que essas bênçãos vêm.
Além disso, se o cristão meditar na ordem em que as bênçãos de Deus vêm, que tipo de ordem ele teria em mente?
Como indica na a ordem dos decretos , há tipos diferentes de ordem, como temporal, causal, condicional, pedagógica.
E, como ocorre com a ordem dos decretos, nenhum tipo de ordem determina a lista tradicional. Observe:
1. A vocação vem antes da regeneração tanto de modo temporal quanto causal.
2. A regeneração vem antes da fé de modo causal, mas muitos teólogos as consideram simultâneas.
3. A fé é anterior à justificação, mas não de modo causal ou temporal. A maioria dos teólogos descreve a relação como “instrumental”. Contudo, a prioridade instrumental só é relevante para esses dois itens da lista.
4. A justificação precede a adoção e a santificação, mas também não é de modo causal ou temporal. Talvez seja melhor dizer que a justificação provê a base legal e forense para a adoção e a santificação, mas a categoria legal-forense só é usada aqui na lista.
5. Não há motivo óbvio para a adoção preceder a santificação, ou vice-versa.
Portanto, a meu ver, a “ordem” da ordo salutis não reflete uma organização objetiva das provisões redentoras de Deus. Há vários tipos de ordem por toda a lista, como indiquei acima, mas não há nenhuma ordem geral que se aplique à lista como um todo.
Considerações Finais Sobre a Ordem da Salvação
Apesar disso, penso que a ordo tem valor como um instrumento pedagógico. É edificante para um professor guiar seus alunos pela lista tradicional, explicando o significado dos termos e dos diversos relacionamentos que conectam os itens da série.
Os teólogos precisam dar mais atenção, e não menos, à pedagogia, e a ordo é um instrumento pedagógico eficaz que emerge da própria tradição teológica.
Para que você possa se aprofundar e continuar seus estudos, leia o nosso próximo artigo, para você ter uma visão mais acurada do assunto indico o livro “Teologia Sistemática” de John Frame que deu origem a este artigo. Deus abençoe, até o próximo texto.

Teologia Sistemática
Doutrina do Homem: “Homem e mulher, quatro características em sua criação”
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Com certeza é relevante que, logo depois que a Bíblia descreve que Deus cria e homem à sua imagem, ela acrescenta: “(…) homem e mulher os criou” (Gn 1.27). Não concordo com o ponto de vista de Karl Barth de que nossa diferenciação sexual é o significado de “imagem”,” mas certamente devemos fazer um esforço para entender como a diferenciação sexual e a imagem se relacionam.
Em um artigo anterior, descrevi a imagem sob três perspectivas, como controle, autoridade e presença, refletindo os atributos de senhorio de Deus. Em nenhum desses aspectos há diferença entre homens e mulheres. Ambos os sexos refle tem o controle de Deus, pois ele incumbe os homens e as mulheres de dominarem juntos a terra (Gn 1.28).
Portanto, ambos são reis vassalos sob Deus, portando sua autoridade
Ambos estão sujeitos às ordenanças autoritativas de Deus, ambos encarregados de construir uma cultura de acordo com essas ordenanças.
E encher a terra com filhos, levando a presença de seres humanos a todo o mundo, obviamente é uma responsabilidade conjunta dos sexos.
Na queda, como veremos com mais detalhes adiante, tanto o homem quanto a mulher desobedecem a Deus, e Deus envia maldições, misturadas com bênção, igualmente sobre eles (Gn 3.14-19).
É significativo que a maldição se aplica de alguma maneira diferente ao homem e à mulher. A mulher terá dores de parto, o homem terá dor e fadiga ao trabalhar a terra. Mas ambos estão amaldiçoados e igualmente caídos.
Apesar de a Bíblia indicar que a mulher foi enganada primeiro (1Tm 2.14), ela nunca sugere que as mulheres são mais ou menos pecadoras do que os homens.
Portanto, a redenção de Cristo aplica-se igualmente a ambos. As Escrituras nunca sugerem que as mulheres são mais ou menos santificadas pela graça de Cristo do que os homens. Positivamente, a Bíblia ensina:
Primeira: Tanto homens quanto mulheres são criados à imagem de Deus
Gênesis 1.27 defende esse ponto de modo bastante explícito; as passagens em 2.20 (“auxiliadora… idônea”) e 2.23 (“osso dos meus ossos e carne da minha carne”) ressaltam a unidade de natureza entre o homem e a mulher, em contraste (2.19-20) com o relacionamento entre o homem e os animais.
Veja também 5.1-2. James Hurley destaca que “homem” em 1.26-27 é um coletivo (adam- “humanidade”). A membresia plural é indicada pela expressão “homem e mulher” no versículo 27; posteriormente, é dada a ambos, homem e mulher, a tarefa apropriada àqueles criados à imagem de Deus (v. 28).23 Esse é o ensino uniforme das Escrituras
A recriação à imagem de Cristo se mesmo modo a todos os crentes, sem distinção (C1 3.9-11); de fato, essa renovação, essa filiação (Gl 3.26), é dada a crentes de maneira tão indiscriminada quanto a isso, “não pode haver (…) nem homem nem mulher” (v. 28). aplica do que, substantivo
Segunda: Homens e mulheres são iguais na imagem de Deus
Não há nada em Gênesis que leve alguém a pressupor algo diferente disso. No entanto, algumas pessoas chegam a uma conclusão diferente com base no que Paulo diz em 1Coríntios 11.7: “Porque, na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do homem”.
Por que Paulo omite falar da mulher como “imagem de Deus”, depois de ter aplicado esse título ao homem? Pode-se até mesmo supor que Paulo esteja aqui negando que a mulher seja imagem de Deus e atribuindo a ela uma imagem menor: a do homem.
Concordo com C. K. Barrett que “nesse contexto, Paulo valoriza o termo imagem apenas como conduzindo ao termo glória”. A referência a “imagem” é secundária ao propósito de Paulo e, portanto, não é aplicada à mulher; mas ela informa aos seus leitores do AT a base para afirmar que o homem é a glória de Deus, “glória” e “imagem” sendo sinônimos aproximados, mas não perfeitos.
A ênfase de Paulo é em “glória”, que focaliza na honra que uma pessoa traz a outra. Ele diz que o homem foi criado para honrar a Deus. É claro que a mulher também foi criada para honrar a Deus; mas, adicionalmente, ela foi criada para um segundo propósito, a saber, honrar o homem.
Deus a fez especificamente para ser uma auxiliadora para Adão (Gn 2.18,20; cf. Pv 12.4; Ef 5.25-29).25 O homem honra e glorifica a Deus ao descobrir sua cabeça, porque cobrir a cabeça tem conotação de subserviência a outra criatura.
26 Essa subserviência a homens é particularmente imprópria para um profeta masculino, cuja função se resume a falar por Deus. Contudo, a mulher precisa não só honrar a Deus, mas também ao homem. De fato, ela honra a Deus quando honra a tarefa específica de “auxiliadora”, para a qual Deus a criou.
Portanto, ao contrário do homem ela honra a Deus melhor ao demonstrar sua subordinação à criatura que é seu parceiro.
Então, o argumento de Paulo em 1 Corintios 11.7 não é que a mulher não reflete Deus; antes, é que, além de refletir a Deus, ela também foi criada para honrar o homem; portanto, seu aparecimento deve ser adequado a essa segunda função. Não há necessidade nenhuma de falar que ela reflete Deus de alguma maneira inferior ao homem.
A subordinação dela prejudica a sua capacidade de refletir Deus? Essa é uma pergunta importante para fazermos neste ponto. Mas a resposta, com certeza, é negativa.
Os homens também são colocados sempre em relações de subordinação a outras pessoas (Ex 20.12; Rm 13.1; Hb 13.17),” mas isso não os prejudica em ser imagem de Deus.
O próprio Jesus se tornou subordinado ao seu Pai, e até mesmo subordinado às estruturas de autoridade humana, a fim de nos redimir. Portanto, a autoridade humana, ao refletir Jesus, deve ser uma autoridade que serve (Mt 20.20-28).
A disposição de se subordinar a outros por causa de Deus é, de fato, um componente da imagem, não algo que a compromete.28 Mesmo a submissão a uma autoridade injusta revela uma semelhança especial com Cristo (1Pe 2.12,19 -25; 3.14-18).29.
Muitas vezes é ao nos submetermos aos outros que mostramos melhor os componentes éticos da imagem divina. Como demonstrar melhor o amor de Deus, sua longanimidade, sua mansidão e seu autocontrole, senão ao nos submetermos aos outros?
Terceira: A própria diferenciação sexual reflete Deus
Como indicado antes, discordo de Karl Barth de que a diferenciação sexual é a imagem de Deus. Mas acredito que nossas qualidades sexuais, como todas as outras qualidades humanas, refletem Deus.
A questão não é se Deus é homem, mulher ou ambos. Lembre-se: afirmar que nossos olhos refletem Deus não é dizer que Deus tem olhos; antes, é dizer que nossos olhos retratam algo divino. De modo semelhante, nossa sexualidade retrata os atributos e capacidades de Deus:
1. A sexualidade humana reflete a criatividade divina. Pela capacidade sexual, geramos filhos e filhas; Deus faz o mesmo por outros meios (Jo 1.12. Rm 8.14s; Gl 4.4ss.; Hb 2.10; 1Jo 3.1-2).
2. O amor entre o marido e a esposa retrata o amor de Deus pelo seu povo (Ez 16: Os 1-3; Ef 5.25-33), que começa com um amor dentro da própria Trindade (Jo 17.26).
3. O relacionamento de aliança entre marido e esposa (Pv 2.17; MI 2.14) retrata o relacionamento de aliança entre Deus e o homem.
4. As Escrituras descrevem Deus tanto em termos masculinos quanto femininos, embora a vasta predominância de imagens seja masculina. Penso que o motivo é basicamente que a Bíblia quer que pensemos em Deus como Senhor, e o senhorio, nas Escrituras, sempre tem a conotação de autoridade.
30 Visto que, na visão bíblica, as mulheres estão sujeitas à autoridade do homem em casa e na igreja, como veremos, há certo constrangimento ao se falar de Deus em termos femininos.
Nossa necessidade hoje, em minha opinião, é de uma apreciação muito maior do senhorio de Deus e de Cristo. Portanto, a meu ver, de uma perspectiva bíblica, o movimento em favor de usar uma linguagem unissex ou feminina para se referir a Deus é fundamentalmente errado.
5. Apesar disso, a própria submissão da mulher também reflete Deus. O Senhor Deus não é tão orgulhoso assim que não possa ser nosso “auxílio”. Cristo, o Senhor, não relutou em ser um servo. As mulheres piedosas são modelos, muitas vezes como censura, a todos que desejam ser líderes (Mt 20.20-28).31
Quarta: Homens e mulheres representam igualmente a Deus
Argumentei anteriormente que o significado primário de imagem é a semelhança, não a representação. Porém, por causa da semelhança das imagens, elas geralmente representam as coisas ou as pessoas com que se parecem. A distinção é entre estrutura e função, entre natureza e tarefa.
O rei Nabucodonosor criou uma imagem de si mesmo para representá-lo. Quando as pessoas adoravam a imagem, estavam desse modo expressando sua lealdade ao rei (Dn 3.1-6).
As imagens eram entendidas dessa maneira no mundo antigo, Claramente, uma noção semelhante é expressa em Gênesis 1.28, porque ali Deus dá a Adão a tarefa de encher e sujeitar a terra.
Essas tarefas são semelhantes ao que o próprio Deus faz no mundo. Deus quer ser conhecido como Senhor, o que expliquei em termos de controle, autoridade e presença.
Em Gênesis 1.28 Deus dá a Adão o “domínio”, um tipo de senhorio subordinado ao do próprio Deus. O homem (genérico) é o rei vassalo do universo. Sujeitar a terra é estender o controle humano sobre o mundo.
Também envolve autoridade: Deus dá a Adão o direito de dar nome aos animais, o que, no mundo antigo, é um exercício de autoridade (Gn 2.19-20; cf. 2.23; 3.20). A humanidade também deve “encher” a terra, ou seja, tornar sua presença sentida em todos os lugares.
Esse mandato de domínio continua depois da queda; isso está claro em Gênesis 9.1-3. Todavia, o pecado impede grandemente a realização do propósito divino no mandato, que é o de encher a terra e sujeitá-la a pessoas que o glorifiquem.
Logo, o NT coloca ênfase na Grande Comissão (Mt 28.18-20), que também é uma ordem de encher e sujeitar; mas, nesse caso, por meio do evangelho salvador de Jesus Cristo.
Por meio da autoridade soberana de Jesus (v. 18), o povo de Deus deve estender seu controle, sua autoridade e sua presença pelo mundo todo. Somos os “embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio” (2Co 5.20; cf. Fp 2.14-15).32
Consequentemente, temos as doutrinas bíblicas da filiação, adoção e herança (Jo 1.12; Rm 8.14-17; G1 3.26-29; Hb 2.10; 1Jo 3.1-3). Nessas questões, homem e mulher participam igualmente.
As Escrituras não fazem nenhuma distinção sexual. De fato, Gálatas 3.26 (“Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus”) precede por dois versículos o famoso “nem homem nem mulher”. Como vimos, tanto o homem quanto a mulher recebem igualmente o mandato original de domínio (Gn 1.27-28).
Esse fato conflita com a autoridade dos homens sobre as mulheres em casa e na igreja? Acredito que não. A autoridade e a subordinação não são, no abstrato, incoerentes entre si.
É possível ter autoridade sobre uma esfera, mas não sobre outra; ou ser uma autoridade num aspecto, mas subordinado em outro. Os homens governam individualmente algumas áreas, mas estão sujeitos aos que estão em autoridade acima deles.
O próprio Jesus é tanto Senhor quanto servo.
Logo, a própria autoridade humana é sempre uma autoridade que serve, uma autoridade com responsabilidade para com aqueles sob autoridade (como em Mt 20.25-28; Jo 13.12-17; Ef 5.22-6.9).
Portanto, quando as Escrituras falam da primazia do homem sobre a mulher, geralmente coordenam esse ensino com reflexões sobre a dependência mútua dos sexos (como em 1Co 7.3; 11.11-12).
As mulheres certamente compartilham da autoridade dada a Adão. Junto com os homens, foram criadas para governar a terra (Gn 1.27-28; 1Co 3.21).
Individualmente, elas recebem autoridade em várias esferas: mães sobre filhos (Ex 20.12), mulheres mais velhas que treinam as mais novas (Tt 2.4). Em alguns casos, as mulheres administram uma empresa familiar (Pv 31.10 31).
As mulheres exercem autoridade sobre todos como profetisas de Deus (Jz 4.4; At 2.17; 21.9; 1Co 11.5,10 [“sinal de autoridade”]). Também estão sob a autoridade humana, com certeza; mas os homens também estão.
Citando Mateus 8.9, Stephen B. Clark observa corretamente que a autoridade de uma pessoa, longe de conflitar com a submissão a uma superior, geralmente encontra sua fonte nessa submissão.
Os profetas tinham autoridade porque estavam sob a palavra autoritativa de Deus. Os reis, os sacerdotes e os pais também têm autoridade porque Deus assim decretou. Os apóstolos tinham autoridade por causa da sua obediência à comissão de Jesus.
Lembre-se da minha observação anterior de que a cobertura da cabeça da mulher (1Co 11.10), um sinal de submissão, também é um sinal da sua própria autoridade como profetisa. autoridade
Resumo e conclusão
As mulheres e os homens refletem igualmente a Deus, mesmo nas suas diferenças sexuais, mesmo nas suas diferenças quanto a autoridade e submissão.
A razão é que a imagem de Deus abrange tudo que é humano. Portanto, tanto os homens quanto as mulheres assemelham-se a Deus e são chamados para representá-lo por toda a criação, exercendo controle, autoridade e presença em seu nome.
Essa doutrina não é nem um pouco incoerente com a subordinação das mulheres aos homens em casa e na igreja. Todos os seres humanos estão sob autoridade, tanto divina quanto humana. Sua submissão à autoridade, assim como sua própria autoridade, reflete a Deus.
Teologia Sistemática
O homem como filho de Deus
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O modelo bíblico pervasivo do relacionamento do homem com Deus é o da filiação. Na genealogia de Lucas, Adão é “filho de Deus” (Lc 3.38). As Escrituras às vezes descrevem os anjos (Jó 1.6; 2.1; 38.7; Dn 3.2518) e os reis humanos (Gn 6.2,4) como filhos de Deus. Israel é filho de Deus (Dt 1.31; 8.5; Os 1.10).
Jesus é o Filho eterno, o Filho que herda o trono do seu Pai (Mt 14.33; 16.16; 27.54; e muitas vezes em outros lugares – veja o capítulo 21). Em Cristo e por meio dele, os crentes são redimidos do pecado para se tornarem filhos de Deus (Rm 8.14,16,19; Gl 4.1-6; Fp 2.15; Hb 12.7; 1Jo 3.1-2).
O homem como filho de Deus
O conteúdo da filiação é bem semelhante ao da imagem. O filho se parece com seu pai como a imagem se parece com o que reflete. Na língua hebraica, dizer que alguém é “filho de” algo é dizer que tem as mesmas características.
Em Marcos 3.17, Jesus chama seus discípulos Tiago e João de “filhos do trovão”, sugerindo talvez um espírito barulhento e violento.
Barnabé (At 4.36) significa “filho da exortação”, o que sugere um caráter cuidadoso e consola dor. Então, um filho de Deus é alguém que se parece com Deus, que Deus.
Evidentemente, há muitos modos de ser como Deus
A semelhança que como os anjos têm com Deus,20 embora verdadeira, não é a mesma semelhança que têm com ele, os reis humanos, ou Israel, ou os santos do NT, ou Jesus.
Também vimos que a posição do homem como imagem de Deus lhe dá uma autoridade subordinada a Deus. A filiação também implica qualidades régias. Como os reis, os filhos de Deus têm poder, autoridade e presença dentro do seu domínio.
Considerações Finais
Assim, Deus descreve a igreja como “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1Pe 2.9, refletindo a linguagem usada a respeito de Israel em Êx 19.6).
A história bíblica como a história das alianças de Deus , do reino de Deus e da família de Deus. Pode ser contada por meio das figuras da imagem e do filho, vimos que Deus fez o homem para ser seu servo pactual, seu rei vassalo e seu filho dentro da sua família.
Consequentemente, as três histórias bíblicas se agrupam como a história do relacionamento de Deus com o homem, a mais elevada das suas criaturas.
Teologia Sistemática
A Doutrina do Homem: O Homem à Imagem de Deus (Imago Dei)
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Gênesis 1 ensina que, depois que Deus trouxe o mundo à existência a partir do nada (capitulo 10), ele povoou os céus e a terra em seis dias. No primeiro dia, ele fez a luz e a separou das trevas. No segundo dia, ele fez o céu e separou as águas de cima das águas de baixo.
No terceiro dia, ele fez as plantas. No quarto dia, ele reuniu a luz em corpos celestiais: sol, lua e estrelas. No quinto dia, ele encheu as águas com vida aquática e os céus com criaturas aladas. No sexto dia, ele povoou a terra com “animais domésticos, répteis e animais selvaticos” (Gn 1.24). Todas as criaturas deviam se reproduzir “segundo sua espécie” (v. 21,24,25). E “viu Deus que isso era bom” (v. 25). Mas, então, acontece algo ainda mais incrível:
(…) disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.
Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superficie de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será mantimento.
E a todos os animais da terra, e a todas as aves dos céus, ea todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento. E assim se fez. Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. Houve tarde e manhã, o sexto dia. (Gn 1.26-31) para
Essa passagem enfatiza a singularidade do homem de muitos modos. A pri meira é a que John Murray chama de “envolvimento único do conselho de Deus”. Murray diz:
A fórmula não é de um simples ‘haja’, como no caso da luz (Gn 1.3). Nem é o caso de ordem em referência a entidades existentes – “Produza a terra relva” (Gn 1.11); “Povoem-se as águas de enxames de seres viventes” (Gn 1.20); “Produza a terra seres viventes” (Gn 1.24). A expressão “façamos” indica que há um envolvimento único de pensamento e conselho divino, e evidencia o fato de que algo proporcionalmente único está para acontecer.
A imagem de Deus
A segunda indicação da singularidade do homem na passagem é que ele é feito, diz Deus, “à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. Os ani mais são criados “segundo sua espécie”, ou seja, de acordo com um padrão prescrito por Deus. Mas o homem é criado segundo o padrão do próprio Deus. Murray comenta:
(…) o próprio indivíduo não foi algo que quisesse ser; isso é algo que pertence ao próprio Deus, intrinsicamente. A reação inteligente a esse dado de revelação é de maravilhamento, e exclamamos: “que é o homem, que dele te lembres?” (S1 8.4). A origem do homem não é só o sujeito singular do conselho de Deus; o homem é desde o início o beneficiário de dons e dignidade únicos.”
Porém, há muito tempo os teólogos debatem o que é exatamente a imagem de Deus. Alguns a identificam com o poder intelectual único do homem; outros, com a alma como distinta do corpo; outros, com o relacionamento do homem com Deus.
Karl Barth encontrou um paralelo entre “imagem” e “homem e mulher”; então, argumentou que a imagem consiste na diferenciação sexual e, portanto, de maneira mais ampla, em relacionamentos sociais. Outros pensam que a imagem consiste no domínio do homem sobre o restante da criação (Gn 1.26,28), pois é um espelho do senhorio de Deus.
Ainda outros, com justifica tiva do NT, identificam a imagem com qualidades éticas como conhecimento, retidão e santidade (Ef 4.24; CI 3.10). Alguns buscam uma interpretação cristológica da imagem, visto que o NT apresenta Cristo como a imagem num sentido proeminente (2Co 4.4; CI 1.15; Hb 1.3) e a imagem na qual seremos renovados (Rm 8.29; 1Co 15.49; 2Co 3.18).
Em todas essas representações há verdade
Mas há tantas que é importante tentarmos entender os padrões conceituais que as unem. “A nossa imagem” e “conforme a nossa semelhança” são mais ou menos sinônimos, usando os termos hebraicos tselem e demuth, respectivamente.
A passagem não faz referência às diferenças sutis entre esses termos, mas os coloca juntos para magnificar a grandiosidade desse ato criativo particular. O escritor, evidentemente, espera que os leitores entendam esses conceitos sem definição. Vale a pena lembrar que “imagens” eram comuns no mundo antigo.
Imagens eram simplesmente estátuas ou ilustrações, com a intenção de representar alguém, em geral um deus ou um rei. No segundo mandamento, Deus proíbe a adoração de imagens. Mas existe uma imagem do Deus verdadeiro nós mesmos.
Os próprios termos hebraicos referem-se a uma semelhança entre Deus e o homem, mas a natureza dessa semelhança deve ser deduzida de outras passagens. Então, se vamos falar dessa imagem como mais do que um título isolado, nossa tarefa teológica é determinar as semelhanças mais teologicamente significativas entre Deus e o homem, as quais elevem o homem acima de outras criaturas.
Outras semelhanças explicarão o uso de “imagem” nessa passagem, ao nos mostrar que o relacionamento do homem com o restante da criação é análogo ao relacionamento de Deus com a criação toda. No entanto, evidentemente, o relacionamento do homem com a criação não pode ser exatamente igual ao de Deus, porque o próprio homem é somente uma criatura.
A analogia entre Deus e nós mesmos sempre conterá certas diferenças nela. Assim, estamos procurando qualidades no homem que constituam réplicas finitas das qualidades infinitas de Deus.
Em Gênesis 1.26, o que vem imediatamente depois das referências à imagem e à semelhança é a designação de Deus de que o homem tenha “domínio sobre” o restante da criação. Essa também é a primeira ordem ao homem e à mulher (v. 28) depois que ele os abençoa. Certamente esse é um dado importante a considerarmos ao interpretarmos a linguagem sobre a imagem.
Analisei a doutrina de Deus como uma exposição do senhorio de Deus. Sua natureza e seus atributos são o que o qualificam a ser o Senhor de tudo o que ele faz; de fato, eles são o que o senhorio dele é do ponto de vista dos seus servos pactuais. O que Gênesis 1.26-28 afirma é que Deus fez o homem semelhante a si mesmo para capacitá-lo para o seu dever como senhor, um senhor subordinado ao senhorio supremo de Deus.
Assim, a imagem de Deus consiste naquelas qualidades que capacitam o homem a ser senhor do mundo, sob o senhorio de Deus.10 O que são essas qualidades, senão analogias dos atributos de senhorio do próprio Deus?
Enquanto as consideramos, também irei estabelecer paralelos entre os três atributos de senhorio e os três ofícios ungidos das Escrituras: rei, profeta e sacerdote.
Deus, particularmente Cristo, o Ungido, é o portador original desses ofícios. O homem possui ofícios análogos em relação à criação inferior e, à medida que a história da redenção avança, Deus designa alguns indivíduos para serem reis, profetas e sacerdotes sobre seu povo.
Controle (ofício real)
Em Gênesis 1.26, a imagem de Deus qualifica o homem para exercer grande poder: “Tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra”.
No versículo 28, Deus diz que, para ter domínio sobre a terra, o homem terá de sujeitá-la (kabash, “tornar subserviente”). Esse domínio se estende a tudo feito por Deus do quarto ao sexto día da críação. Nos versículos 29-30, Deus dá a sua obra do terceiro dia como alimento para o homem.
É interessante que Deus não coloca a obra do primeiro dia (luz e trevas) e nem a do segundo dia (céus e águas) sob o poder do homem. Nas Escrituras, a “luz” está estreitamente conectada com o próprio Deus. Ele é luz, de acordo com 1João 1.5, e não há nele treva nenhuma.
Somente ele é aquele quem traz luz ao mundo – não apenas luz física, mas também a luz como figura da salvação: “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” (2Co 4.6; cf. Ef 5.8, 13-14; 1Ts 5.5; 1Pe 2.9; Ap 21.23-24; 22.5).
Como uma metáfora para a salvação, a luz vem apenas de Deus; portanto, serve como uma imagem do caráter gracioso da redenção.
Quanto à obra do segundo dia, Deus também a preservou para si. Os céus são a sua própria moradia, o local do seu tabernáculo arquetípico, “do ver dadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem” (Hb 8.2). E Deus também mantém controle sobre as águas do segundo dia, tanto as debaixo do firmamento quanto as sobre ele (Gn 1.7).
Quando ele envia juízo ao antigo mundo humano, a Bíblia afirma:
“Romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as comportas dos céus se abriram” (7.11). Aí, Deus elimina a separação entre as águas que ele construiu no segundo dia da criação. Os seres humanos não têm poder para deter as águas ou o juízo.
Assim como ocorre com a luz, Deus é soberano na sua disposição das águas. Depois do juízo em Gênesis 7, Deus ainda possui o poder de enviar ou reter a chuva. Numa sociedade agrária, a chuva é uma necessidade constante. O homem não pode produzi-la sozinho.
Ele deve continuar voltando-se para Deus por ela (1Rs 8.35-36). Quando Deus envia a chuva, é uma bênção, uma misericórdia (Lv 26.4; Dt 11.11; 28.12; 2Sm 23.4; SI 147.8). Quando Deus a retém, é um juízo (Dt 11.17; 28.24; 1Rs 17.1s).th
Portanto, o domínio do homem não se estende à obra de Deus nos dois primeiros dias da criação. Porém, o fato de ele dominar e governar a criação dos últimos quatro dias é imensamente significativo. O homem não é onipotente como Deus (capítulo 16), mas é capaz de fazer coisas maravilhosas por meio da sua força física, acuidade intelectual e habilidade linguística (veja a próxima seção), habilidades que nenhum animal pode igualar.
A responsabilidade do homem em encher e dominar a terra é às vezes chamada de mandato cultural.” Essa linguagem enfatiza o fato de que a tarefa do homem é a de tornar a terra habitável para o homem, adequada às necessidades e aos propósitos do homem.
Essa tarefa envolve não apenas o cultivo de colheitas para alimento, mas também as artes, a ciência e a literatura, pelas quais a vida humana se torna mais do que mera subsistência. E, no nível mais profundo, o trabalho do homem tem o objetivo de gerar louvor e glória a Deus. Por isso ele deve estruturar a sua vida e a sua cultura de acordo com os padrões de Deus.
Os teólogos perguntam se a imagem de Deus se refere ao corpo do homem ou apenas à sua alma. Irei analisar a distinção entre alma e corpo mais adiante. Contudo, já deve estar evidente que a imagem de Deus também se refere ao corpo. A força física do homem é um aspecto importante do seu poder para sub jugar a terra e dominá-la.
Alguns objetam que o corpo humano não pode ser a imagem de Deus porque Deus é incorpóreo. Mas a incorporeidade de Deus não significa que ele é incapaz de assumir forma física, apenas que ele é soberano na sua escolha de assumir forma física ou não; e, se ele escolhe assumir uma forma física, ele é soberano para escolher a forma que deseja (capítulo 18).
Ele é superfísico – mais do que físico, não menos. Além disso, quer ele escolha tomar forma física ou não, ele consegue fazer tudo o que conseguimos fazer com corpo e muito mais. Salmos 94.9 pergunta: “O que fez o ouvido, acaso, não ouvirá?
E o que formou os olhos será que não enxerga?
” Os seres humanos escutam com seus ouvidos físicos e veem com seus olhos físicos. No entanto, Deus é o mestre dos processos de audição e visão. Ele faz sem órgãos físicos aquilo que fazemos com eles, e muito mais.
Portanto, o homem serve como rei sobre a criação de Deus. Mas ele é um rei sob Deus, responsável em adorar e obedecer a Deus, o Rei dos reis.
Autoridade (ofício profético)
Mencionei acima que o homem deve construir sua cultura de acordo com os padrões de Deus. Portanto, ele leva a palavra de Deus, a linguagem divina, aos seus companheiros e ao mundo.
Entendo que a linguagem de Deus, sua palavra, é uma com ele mesmo, um atributo essencial à sua natureza. Deus é um Deus que fala. Referi-me ao trabalho dos anjos, que trazem a palavra de Deus aos seres humanos, e ao dos demônios, que distorcem e corrompem a fala de Deus.
A linguagem também é fundamental à natureza humana na imagem de Deus. Em Gênesis 1, a primeira experiência do homem é linguística: ouvir as palavras de Deus (Gn 1.28-31). Em Gênesis 2.18-20, quando Deus primeira mente dá uma tarefa específica a Adão sob o mandato geral de dominar a terra, ele lhe dá uma tarefa linguística: nomear os animais.
Essa tarefa não é apenas a de anexar um som a um objeto. Antes, é a tarefa científica de entender a natureza de cada animal, porque o propósito geral é determinar se algum deles pode ser “auxiliador” de Adão (2.18). Os “nomes” que Adão dá aos animais, portanto, são um sistema de sons que declara a natureza de cada criatura.
14 A pesquisa de Adão determina que não há um auxiliar para ele no reino animal, então Deus cria uma parceira para ele por meio da criação especial (2.21-25).
Tiago 3.1-12 enfatiza ainda mais a centralidade da linguagem na vida humana e, com base em muitos dos provérbios, nos ensina que, se um homem consegue controlar a sua língua, é capaz de controlar todo o seu corpo. Em Gênesis 11.1-9, Deus pune os construtores da Torre de Babel por meio da con fusão de linguagem.
Ele diz: “Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer” (Gn 11.6).
A linguagem é uma capacidade tão poderosa que a língua comum permite que o pecado siga desenfreado. Deus determina que ela precisa ser controlada. Por isso, os pecados da língua têm proeminência nas listas bíblicas de pecados, como em Romanos 3.10-18.
As Escrituras são abundantes em admoestações para falarmos com vistas à edificação (Ef4.29; 1Co 14.3,12,17,26), em vez de falarmos mentiras, blasfêmias e tolices. Jesus diz: “Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo; porque, purificação pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado” (Mt 12.36-37).
Com frequência, a redenção é apresentada como a dos lábios (Is 6.5-7) ou da linguagem (SI 12; Sf 3.9-13). O Pentecostes reverte parcialmente a maldição de Babel, para que a mensagem da graça possa ser ouvida nas línguas de todos os povos (At 2).
Assim, a tarefa cultural de Adão pode ser vista de uma perspectiva linguís tica: o trabalho de desenvolver uma linguagem análoga à palavra do próprio Deus, construindo por todo o mundo uma cultura em conformidade com ela. Essa é a raiz do conceito de profecia que examinamos no capítulo 24.
Assim como Deus inicialmente lhe transmitiu palavras, Adão deve falar essas palavras e semelhantes para sua família e impor sobre a terra instituições culturais que observem os padrões de Deus e lhe tragam glória. Na medida em que faz isso, ele fala com a autoridade de Deus.
Quais normas ou padrões divinos Adão conhecia antes da queda?
Sem dúvida, Deus lhe ordenou que desse nome aos animais e se abstivesse do fruto proibido, mas essas ordens foram para um tempo e um espaço específicos. Deus também deu a Adão e Eva ordenanças mais amplas, as quais regem os seres humanos de todas as épocas e lugares.
Os teólogos geralmente as denominam ordenanças da criação: leis e instituições dadas a Adão e Eva antes da queda, análogas às leis de alianças posteriores. John Murray lista entre elas “a procriação de descendência, o enchimento da terra, a sujeição dela, o domínio sobre as criaturas, o trabalho, o sábado semanal e o casamento”.
Defendo dois acréscimos a essa lista: o culto e o respeito pela vida humana,” ressaltando que, “tal como outras leis bíblicas, as ordenações da criação têm um foco triplo – de fato, em três perspectivas: em Deus (culto, sábado), no mundo natural (encher, subjugar e dominar a terra) e no próprio ser humano (casamento, procriação, trabalho)”.
De acordo com o mandato cultural, o homem deve desenvolver uma cultura pela terra toda que observe essas ordenanças da criação, ensinando-as por meio do seu dom da fala e por meio de uma vida coerente com essas palavras. Essa fala é um elemento necessário da “imagem de Deus”.
Ela torna o homem parecido com Deus de uma maneira importante e eleva o homem acima das outras criaturas, para que possa ter domínio sobre elas. Seu poder físico lhe dá um governo de facto sobre o mundo, mas é o discurso divino que torna seu governo de jure.
O atributo do poder é a força; o da autoridade é o direito. Ao explicar e guardar as normas de Deus, o homem revela ser o legítimo governante do mundo. Seu oficio e trabalho profético legitimam seu oficio e trabalho real.
Presença (ofício sacerdotal)
Contudo, Adão não deve ser um rei ausente. Ele não deve apenas sujeitar a terra e dominá-la; Deus também lhe ordenou: “(…) sede fecundos, multiplicai vos, enchei a terra” (Gn 1.28; cf. 9.1).
Assim como Deus transcende o mundo com seu controle e autoridade mas se torna imanente no mundo pela sua presença pactual, do mesmo modo também Adão, profeta e rei vassalo de Deus, deve encher o mundo sobre o qual reina.
Visto que ele não é onipresente como Deus, só conseguirá enchê-lo casando-se e tendo filhos. Portanto, o mandato cultural é um processo gradual e histórico, no qual o homem abençoa progressivamente cada parte da terra com a sua presença.
Visto que constrói sua cultura de acordo com as palavras de Deus, o homem traz consigo a bondade de Deus. Então, quando lemos que, em Cristo, Deus restaura a sua imagem nos homens caídos, as Escrituras descrevem a imagem em termos éticos:
(…) Mas não foi assim que aprendestes a Cristo, se é que, de fato, o tendes ouvido e nele fostes instruídos, segundo é a verdade em Jesus, no sentido de que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se cor rompe segundo as concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade. (Ef 4.20-24)
Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou. (C1 3.9-10)
O homem abençoa todo lugar para onde vai, apreciando e melhorando o que é bom. Até certo ponto, isso quer dizer, como falei, que o homem faz o mundo ser uma habitação apropriada para si. Mas isso não significa explorar a terra de um modo egoísta.
Considerações Finais
Deus criou o mundo para sua glória, mas a glória divina também é o que é melhor para o próprio mundo. Assim, o homem busca humanizar seu ambiente, mas não de um modo que destrua a beleza e a integridade da criação. Por ser feito do pó, o homem tem uma afinidade com a criação. Visto que ele vive do ar, da água e dos frutos da terra, é do seu interesse alternar as colheitas, fazer a terra descansar, manter puros o ar e a água.
Adão deve fazer tudo isso para a glória de Deus, cumprindo o propósito divino ao criar o mundo. Ele deve orar e adorar a Deus em todo lugar, consagrando seu trabalho e buscando a bênção contínua de Deus. Por isso Deus chamou Adão não apenas para trabalhar, mas também para descansar na celebração do seu próprio descanso divino (Gn 2.2-3; Êx 20.11).
Esse é o trabalho sacerdotal de Adão. O ministério de um sacerdote é orar pelos outros e guiá-los em adoração; e, dessa maneira, trazer as bênçãos de Deus para as pessoas às quais serve. Portanto, Adão é um sacerdote para seu povo, em qualquer território que se estabelecer.
Sua bênção sobre ele também será uma bênção sobre a terra. Certamente depois da queda o sacerdote também precisa fazer sacrifício pelos pecados do povo. Mas ele ainda é aquele por meio de quem se aproxima do seu povo. Jesus Cristo, o grande Sumo Sacerdote de Deus, é aquele que se aproxima mais, tomando sobre si a natureza humana, vivendo nossa vida, morrendo a morte que merecemos (Hb 2.10-18; 7.1-10.18).